Tuesday, November 28, 2006

temperança.

- Cansei de esperar...vou entrar! – disse o mouro. Impaciente e nem um pouco confortável com aquela situação. Ele parecia um gato enjaulado cercado de ratos magros e pouco astutos.

- Acalme-se, cara. Vamos esperar ele sair de lá. Ele merece um café da manhã decente. Nós teremos a nossa hora.

Queimava por dentro de tanta ansiedade. As gotas de suor desciam em um rapell imaginário pela sua face enrugada – não pela idade, mas pelas desventuras capciosas da vida. Os dedos tamborilavam um samba da velha guarda no volante e a luz traseira do Del Rey 86 dava indícios de um nervosismo insistente com as luzes do freio sendo emitidas como vaga-lumes excitados.

- Pare de pisar nos freios! Está chamando atenção demais e agindo feito um idiota. Eu vou até a banca de jornais ali na frente para tentar disfarçar; e você, fique aqui e me espere. – Disse Artigas enquanto saia do carro. Olhou ao redor e partiu em direção à banca.

A indolência de Artigas era plena e necessária. Aproveitava-se dela de uma forma positiva e inteligente – por mais que a sociedade fizesse questão de subjugá-lo como: mão de obra barata e escrava, Artigas possuía um potencial único que, devido à falta de possibilidades pós-escola, não pôde aproveitar. Fazia da paciência muito mais do que uma virtude budista seminal, tratava-a como uma peça chave em situações que demandavam uma espreita precisa e condicionada ao sucesso de qualquer tarefa ou objetivo.

O mouro não gostava dessa situação de subordinação. Ele era o chefe da situação e estava perdendo aos poucos o respeito que tinha. Ele era a experiência. Ademais, quem realizou o roubo dos correios, e do banco do centro com outros comparsas? E o que Artigas sabia de roubos, furtos ou qualquer operação ilegal? - Pro diabo com sua babaquice. - disse rangendo os dentes.

Esperou Artigas se afastar, observou-o de rabo de olho e pensou em fazer algo que o tirasse daquele cárcere precoce. Destrancou a porta e levou, calmamente, a mão esquerda à maçaneta interna. Exatamente no momento em que Santiago passava sorrateiro pelo beco que dava na porta dos fundos do bistrô.

Consórcio itaú

Wednesday, November 22, 2006

solidez.

Um garçom abriu-lhe a porta gentilmente e desejou um sonoro "bom dia", como fazia com todos os clientes que entravam. Miranda retribuiu com um ruído oco e embaraçado e dirigiu-se à mesa mais distante das janelas frontais. Não tinha ido ali para apreciar a rua, então, sentou-se em uma mesa na lateral direita do recinto, que tinha o mar todo a sua disposição para apreciar.

Não demorou muito até que uma mulher veio a sua mesa para anotar o seu pedido. Com garçonetes não tinha tanto problema assim. Conseguia responder de uma forma inteligível, porém, ainda, evitava o contato olhos nos olhos. Preferia fazer o pedido enquanto fingia que lia o menu com muita classe e leveza. Não gostava de parecer um imbecil abobado que nunca havia fitado uma mulher antes, por mais que achasse que todas fossem desprezíveis e traidoras.

Pediu um café duplo sem açúcar ou adoçante e um bolo de fubá que -segundo a garçonete - acabara de sair do forno. Espiou a mulher se retirar e lembrou de Ataulfo. Sempre que via um garçom ou garçonete lembrava de seu expressivo amigo Ataulfo. Sentia sua falta, talvez fosse a única pessoa - viva - que sentia falta em toda a sua vida. Há duas noites eles tiveram uma conversa decisiva que mudaria suas vidas para sempre.

Viu o mar, o bater das ondas, os intrépidos surfistas lançando-se ao mar com suas pranchas de poliuretano. Na areia, mais surfistas se preparavam para encarar aquele imenso azul e o sopro do mar. Passavam parafina em suas pranchas para firmarem melhor os seus pés. Desejou algo para que lhe firmasse melhor na vida, algo que o afastasse do medo a todo instante.

A garçonete trouxe seu petit déjeuner e Miranda bebeu, primeiramente, o café sem tempero, pensando meticulosamente no que poderia fazer para sair sem deixar rastros. Não agüentava mais essa perseguição. Se, por apenas uma vez, tivesse feito a coisa certa, nada disso teria acontecido. A traição é como a vingança, mas com uma pequena diferença. Neste, come-se fria a refeição; enquanto naquele, acrescenta-se veneno para saborear melhor o momento.

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Monday, November 20, 2006

coincidência.

Santiago era provido de um notável senso de direção. Se a estrutura organizacional dos quarteirões fosse tradicional, ele poderia entrar em qualquer rua e sair exatamente onde planejou, mesmo que não conhecesse o lugar tão bem quanto imaginava. Deu a volta na praça, acompanhou a movimentação dos bandidos em direção ao ônibus e dobrou à esquerda.

A rua estava limpa então conseguiu emparelhar ao longe com o ônibus, que já contava com o motor aquecido pronto para partir, e viu a cabeça com cabelos encaracolados. – Aí está você! – Olhou no retrovisor e viu que o carro dos bandidos se aproximava vagarosamente. Engatou a primeira andou devagar e encostou o carro no ponto de táxi à frente.

Uma senhora se aproximou do táxi e Santiago apontou para frente indicando os táxis que estavam livres. Ainda observando o retrovisor viu que o ônibus partira, e alguns metros atrás o carro dos bandidos no encalço. Ficou imaginando o que estava para acontecer. Quanto dinheiro estaria envolvido, quem queria a morte do seu passageiro e por qual motivo? Indagações que não poderiam ser respondidas naquele momento, apenas se Santiago conseguisse chegar até Miranda antes dos bandidos.

Seguiu o carro dos bandidos em uma distância que considerou segura. Pegaram a marginal que cortava a cidade em direção à zona sul. Entrou em ruas, ruelas, parou muitas vezes para pegar passageiros e deixar outros. Não agüentava mais aquela rotina cheia de impedimentos, mas precisava estar atento a cada passageiro que descia do coletivo.

O ônibus encostou mais uma vez e dele, finalmente, desceu Miranda. Apressado e com o mesmo olhar preocupado da noite anterior, ele entrou velozmente dentro de um café que Santiago conhecia muito bem. Era o café onde ele e sua ex-mulher costumava se reunir com uns amigos que moravam em outro estado. Sempre levavam eles ali para ver o mar enquanto conversavam, bebiam um capuccino e comiam strudel.

Lembrou de uma história cômica que ocorreu na primeira vez que visitou o bistrô com sua ex-esposa. Riu pra si mesmo e viu que estava em vantagem. Jogava em casa...

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Friday, November 17, 2006

soçobrar.


Pegou o troco da mão esquerda do cobrador. Este, trajando uma camisa de manga comprida azul clara e calça social preta, olhou Miranda bem no centro de sua alma enquanto despejava as moedas do troco. Enquanto pegava o dinheiro, Miranda virou o rosto para a parte traseira do ônibus e ouviu polidamente um “bom dia”, o que o fez arrepiar dos pêlos da canela até o pescoço.

Sentou-se no último banco a fim de observar toda a movimentação, quem saia, quem entrava e quem permanecia no coletivo. Com as mãos entre os joelhos, Miranda olhava para todas as direções ao mesmo tempo enquanto exercia o ritual imprevisto de todas as vezes. Algumas gotas de suor já brotavam em sua testa, então, limpou-as com um lenço vermelho que carregava dentro do paletó.

Lá vinha ela novamente, a paranóia; síndrome do pânico; ou qualquer outra nomenclatura utilizada por entendidos - e desentendidos - da mente humana. Transpirava ofegante e o mundo gelava em uma estrutura glacial enevoada. Roçava as mãos em velocidades alternantes buscando uma calma que parecia vir do fogo paleolítico. A chama era a calma, aquecia o coração e mantinha sua mente no foco para o próximo ato.

Pensou na noite anterior, na carta de Armênia, no taxista que parecia ser “amigo demais” e das coisas que poderiam acontecer. – Se aquela maldita acha que eu vou assinar alguma coisa, ela está demasiadamente engana. Se depender de mim, ela vai continuar como e onde está. – balbuciava de olhos fechados, perdido em seu inconsciente.


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Afundou-se em pensamentos obscuros de postura ética duvidosa. Deixou a sombra nebulosa da maldade correr e esbarrar em sua práxis humanista incipiente e relevou qualquer ato solidário de amparo. Podia contar os grãos de areia da praia, que passava ao longe, de olhos fechados. Tirou tamanha confiança do outro lado do pólo. Aquele que ninguém acreditava que existisse.

Mal viu a jornada passar. Não soube se foram os vinte minutos tradicionais, ou trinta - por conta do trânsito - dentro daquela estrutura metálica movida a diesel. Mas o leve cheiro da maresia atentou-o e o fez levantar num salto inesperado - fazendo o jovem que estava ao lado se assustar com a ação repentina de Miranda - e tocou a sineta para descer e entrar, o mais rápido possível, no bistrô.

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Wednesday, November 15, 2006

(des)encontros.

Chegaram por volta das seis e meia na praça em frente à casa de Miranda. Dentro do carro, eles liam um tablóide barato e observavam discretamente a movimentação ao redor. O bairro era simples, esteticamente suburbano, com pessoas indo trabalhar, ou comprar pão e leite na padaria. : - Se eu tivesse a grana que esse safado tem eu não moraria por aqui. – disse o mouro com desdém enquanto acompanhava o traseiro rebolante de uma mulata que passava graciosamente. – Pensando bem...

- Ele deve estar aqui para esconder algo. Há mais nessa história do que parece. – retrucou Artigas, com os olhos atentos na portaria do prédio de Miranda.

- Você não me contou o porquê do professor ter enlouquecido naquela época. – o mouro tinha um jeito debochado de perguntar, responder e de ficar em silêncio. Seu silêncio sempre transmitia algo, vadio ou rufião.

- Infeliz. Pelo que eu sei ele tinha casado há pouco tempo. A mulher dele também dava aula na escola em que eu estudava - muito gostosa por sinal. Pelo que dizem, ele pegou-a trepando com um aluno quando chegou mais cedo em casa. Ele apagou e acordou apenas no hospital. Depois disso o pobre ainda foi dar umas duas ou três aulas. Mas estava completamente doido. – Artigas tentava se referir a Miranda com um falso respeito, uma modéstia lúgubre e pouco convincente.

Esperaram mais alguns minutos. O mouro saiu do carro e encostou na lateral fingindo que lia o caderno dos esportes. Enquanto isso, Artigas pensava na lucratividade desse trabalho e de como ia fazer esse miserável assinar o maldito documento que tiraria ele de todos os problemas que estavam se acumulando.

- Ali ele! – disse Artigas enquanto o mouro arfava seu corpo velozmente pra dentro do carro. – Ele vai à padaria. Quando ele voltar, a gente segue o cara pra dentro do prédio.

- Na última vez, era pra ele ter ido na igreja e acendido uma vela pro pai. E, ao invés disso, o cretino desapareceu e só foi aparecer naquele restaurante. – disse o mouro. – Espera que vai dar tudo certo.

Miranda atravessou a praça pela grama e apressava o passo em direção à padaria. Olhou para ela e não se sentiu à vontade. Virou seu corpo para a esquerda e viu a fila do ônibus que levava à zona sul se movendo. Olhou ao redor preocupado e foi em direção à fila sem exitar.

– Filho da puta! Esse demente tá de sacanagem com a gente. - brandou o mouro enquanto trocava com Artigas e pegava a direção.


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O ônibus partiu. Artigas e o mouro prepararam-se para sair atrás. Deram um volta obrigatória para efetuar o retorno ao redor da praça e passaram em frente a um táxi de motor 2.0, cujo motorista arregalava os olhos e virava disfarçadamente a cabeça para não ser reconhecido pelos dois bandidos.

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Monday, November 13, 2006

santo.

Artigas passou em casa rapidamente, deu um beijo na esposa; no filho de dez anos e lamentou o horário de sua entrada em casa. – Tive que ver um trabalho extra. Um bacana está construindo uma bela casa ali perto. Perguntou se a gente queria trabalhar nos finais de semana pra acelerar a construção. É mais um dinheiro que entra, não é nega?

Odiava mentir. Sua mulher sempre foi companheira, uma mistura de mãe, irmã e amante. Era tudo que ele poderia querer. Mas, mesmo assim, não tinha coragem de dizer que a construtora havia embargado sua obra, deixando ele e mais trinta funcionários de mãos abanando. Eles mereciam uma vida melhor, já estava cansado de se matar pintando paredes e virando lajes.

Teve um cochilo do tormento. Artigas se debatia. Acordou banhado de suor três vezes em menos de cinco horas, assustando sua esposa em todas. Ela sentia suas aflições, mas nada perguntou. Achou que o silêncio e a auto-reflexão de seu marido trabalhariam melhor em paz. De qualquer forma, se ele quisesse falar alguma coisa, ele iria procurá-la como sempre fazia.

Cinco e meia. Levantou-se da cama, banhou-se rapidamente e encontrou com o mouro na esquina de casa. Ele usava a velha toca surrada, um casaco fino que pouco esquentava. Deu partida no Del Rey 86 prata azulado e seguiram no sereno. Artigas entrou no carro, olhou a pequena imagem de Santo Antônio que estava no retrovisor e disse para si mesmo: - Tudo começou com você.

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Thursday, November 09, 2006

novamente.

Miranda teve um sonho conturbado. Acordou às duas e meia; às três e quarenta e às seis e dez, quando o sol rompia a proteção das cortinas e o galo do vizinho cantava como se fosse o maior tenor dentre todos os galináceos da região.

Foi ao banheiro, tomou um banho frio e demorado. Tinha acabado o shampoo. Fez a barba de uma vez e se observou no espelho – enquanto passava a navalha de forma cuidadosa. A juventude tinha ido embora e agora já se encontrava na casa dos quarenta: - Será que terei aquela crise tão falada? Duvidava muito. Nunca fora fã de academias, muito menos aos quarenta; não tinha dinheiro para comprar um carro usado, que dirá um conversível; e tinha um verdadeiro desgosto pelas danças modernas, isso deixava os planos para as saídas em boates, com letreiros em néon, como última alternativa de sua vida.

Saiu do banho cheirando a camomila, os cabelos encaracolados molhados precisando de um corte decente e a barba feita. Trancou a porta do banheiro por fora e foi até o quarto. Destrancou, trancou a porta e vestiu uma calça de linho preta; pôs uma camisa de seda branca, com listras laterais de um cinza claro; jogou um blazer preto mais novo e colocou o sapato preto de ontem.

Perdeu mais alguns minutos passando uma colônia francesa barata, destrancando e trancando portas e verificando se tudo estava em sua normal ordem e lugar. Pegou uma quantia considerável de dinheiro do gordo malote que guardava dentro do disjuntor de energia, atrás do armário do quarto.

Desceu as escadas e passou de relance - por um espelho na saída do prédio - e percebeu que os cabelos estavam despenteados e que as olheiras teriam aumentado bastante nas última duas semanas. - Péssimas noites...
Não se importava tanto, fazia anos que a vaidade tinha um limite sublime entre se vestir decentemente e cheirar adequadamente. Exageros viraram piadas.

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Ia em direção à padaria pra tomar o seu café como costumava fazer. Pelo segundo dia consecutivo, resolveu mudar o itinerário e rumou para o ponto de ônibus. Teve a idéia de fazer o seu desjejum em outro lugar, no exato momento em que o motor 2.0 circulava alguns metros na descida da rua.

Tuesday, November 07, 2006

interlocutores.

Santiago ficou intrigado com Miranda e não tirou o acontecimento da cabeça. Voltou a rodar com seu táxi pela cidade e pegou mais dois passageiros e os deixou em seus destinos.

Antes de voltar ao marco zero de suas noites, resolveu parar no bar dois quarteirões antes a fim de tomar um café pra despertar e pensar melhor no que ocorrera – por mais que achasse que dentro do carro fosse o lugar perfeito para reflexões complexas.

O bar estava praticamente vazio. Tirando os dois homens ao fundo – que pareciam compenetrados -, as outras atentavam seus olhares para a televisão, que transmitia o jornal da meia noite.

Pediu um pingado no balcão. Enquanto esperava, observou os dois homens ao fundo. Um não tinha como esquecer. Era ele! O rapaz de pele moura e cabelos encaracolados na altura do ombro; e o seu amigo – o homem branco de toca preta - que olhava-o com atenção e respondia brevemente.

Santiago pegou seu copo e sentou em uma mesa próxima. Olhava a televisão, mas com os ouvidos na mesa ao lado. – Que diabos, Artigas! E agora, o que vamos fazer? – disse o homem de pele moura. – Acalme-se, eu tenho o endereço dele. Amanhã vamos lá pela manhã. – disse enquanto bebia seu café.

Os homens ficaram em silêncio. Santiago sentiu que eles poderiam ter percebido sua aproximação então resolveu fazer um comentário com um dos interessados no jornal noturno: - Uma vergonha, heim? Tanta corrupção. Esses caras estão fodendo com o país e a gente bancando toda essa palhaçada. – O homem ao lado acrescentou mais dois ou três palavrões após concordar.

- Estou fazendo isso pelo dinheiro. O meu filho está doente e a minha mulher não sabe que fui mandado embora. Sou obrigado a ficar vadiando pelas ruas durante o dia procurando emprego, para não entrar em casa com a cara cheia de vergonha. – disse Artigas.

- E eu estou fazendo isso porque o safado é um grande filho da mãe. De qualquer forma, a grana também é boa. – Completou o mouro.

- Eu vi quando você chamou o cara de “professor”. Quer dizer que ele te deu aula, né? – disse o mouro com desdém – Pelo jeito você o conhece muito bem.
- Isso tem tempo. Pode deixar que ele não lembrou de mim. E se caso tenha lembrado, terá até amanhã pra esquecer.

Os dois homens se levantaram, pagaram suas contas e deixaram o bar. Santiago ficou anestesiado com a notícia. E pensou seriamente em quem seria o bonzinho ou o bandido. Será que eles haviam reconhecido Santiago e disfarçaram com aquele papo mole? E que maldita coincidência foi essa do fugitivo ser o ex-professor do algoz?


Ladrões atores, ladrões advogados, advogados atores e deputados.
Políticas...

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Monday, November 06, 2006

sofisma.

O discurso formidável. Quem ela gostaria de convencer naqueles três primeiros parágrafos cuja retórica fazia, qualquer mortal medianamente instruído, titubear ao ler as palavras polidamente pesadas daquela carta.

Mas a perspicácia que fora dada a Miranda, ainda quando menino, não o fez sequer franzir sua sobrancelha direita. Era o esperado, o único modo de ter tudo que lhe é de direito e ainda mais. Por quanto mais tempo pessoas iriam querer mais do que poderiam ter? Até quando o capitalismo se transformaria em um desejo mais vivo que o próprio coração de quem carrega tal sentimento dentro de si?

Indagações metafísicas a parte. Pois a genialidade notória de Armênia brincava com a práxis de provocar o desentendimento, uma articulação sofista – que Miranda vilipendiava veementemente - da mestra em literatura brasileira e doutora na Sorbonne em semiologia.

Acabou de ler e olhou para o teto buscando alguma forma de sair daquela situação. Não queria dar o braço a torcer, mesmo se isso custasse sua pobreza precoce e o fim da ansiedade da irmã. O ventilador girava no exaustor, centrifugando o ar abafado daquele quarto de janelas fechadas e de clima funesto, fazendo o lençol, que pousava sobre a poltrona perto da porta, dançar no ritmo singular do vento.

Abriu o envelope com que tinha o carimbo do Ministério Justiça e leu com mais atenção do que leu a carta de Armênia em si. Terminou de ler as linhas curtas e precisas e disse pra si mesmo: - On fait aller...

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Friday, November 03, 2006

embates.

Seis anos de principado não foi o suficiente para granjear o seu espaço na família. Desde o dia em que o recém-nascido Miranda adentrou o casarão dos Cerqueira pela primeira vez nos braços da mãe, ela sabia que não seria mais o centro das atenções.

Tudo caiu em ruínas. Ninguém mais dava a importância devida à menina dos olhos brilhantes e dos cachos dourados presos com fitas de diversas cores. Isso resultou na anulação de qualquer afeto entre Armênia e seu irmão mais novo, pondo abaixo o conceito de Ferdinand Tönnies sobre os laços entre irmãos de sangue - que segundo o sociólogo, é o laço mais forte que pode existir entre dois seres.

O que era um ciúme "completamente compreensível" - como diziam os familiares e amigos - transformou-se em um ódio condicionado à desgraça súbita. E se todos achavam que era apenas uma disputa infantil na pré-adolescência, mais tarde, eles puderam observar o maior desamor que uma família poderia ter entre dois irmãos.

O flagelo do caos foi formado. Não trocavam palavras em nenhuma situação. Não havia natal, ano novo ou morte de qualquer familiar que os fizesse arfarem seus corpos para uma conciliação mútua. Os pais tentaram, colocaram os filhos de castigo, mas a geniosa Armênia se propunha a não aceitar; enquanto Miranda, confuso e aprendendo com o desafeto da irmã a ser tão frio quanto ela, acompanhava o ritmo que o vento dava a essa embarcação fadada a afundar.

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Wednesday, November 01, 2006

remetentes.

A luz do corredor do terceiro andar propiciou uma sombra sinistra que invadia a sala, enquanto Miranda abria a porta delicadamente sem fazer barulho. O sofá preto de couro era coberto por um lençol fantasmagórico branco, assim como todos os outros móveis da casa. - É para proteger da poeira. O chão de ardósia negra encerado, as janelas limpíssimas e as portas de todos os cômodos trancadas.

Virou-se, cerrou a porta dando duas voltas na fechadura. Observou algumas cartas que foram remetidas por debaixo e observou-as com bastante interesse. Uma delas levava um carimbo em seu remetente dizendo: "Ministério da Justiça". - Que diabos! Vão querer a minha alma também? - Foi até a janela, deixou as cartas em cima da mesa de jantar e abriu a meia face as cortinas da janela - que dava diretamente na praça em frente ao seu prédio.

Ninguém na praça. Meia noite já era um horário considerado perigoso nas intermediações de sua vizinhança. Poucos ousavam perambular pelas ruas depois das onze. Os que se aventuravam, iam com parcimônia. Fosse como fosse, há tempos não chegava em casa tão tarde.

Pegou as cartas na mesa e olhou-as mais uma vez. Uma delas era de sua irmã. Destrancou a porta que dava acesso ao seu quarto, virou-se e tranco-a novamente - com duas voltas, sempre. Passou pelo corredor sem fotografias ou quadros e chegou à porta de seu quarto. Abriu-a e tornou a fechá-la assim que adentrou. Tirou os sapatos, ligou o abajur, sentou-se na cama, e preparou-se psicologicamente para ler as letras impecáveis de sua maldita irmã mais velha.

- O que mais você quer, Armênia? - conversou consigo mesmo, como sempre fazia.